Por: Mauro Villar
No início de 1907, um jovem empresário de 30 anos vivenciou um episódio que transformaria o serviço de táxi em Nova York – NY. Ao sair de um restaurante em Manhattan com uma mulher, Harry Allen sinalizou para um táxi para uma curta viagem até sua residência, que ficava a menos de um quilômetro dali. Para sua surpresa, o motorista cobrou cinco dólares, um valor considerado extorsivo para aquela época. Indignado com a cobrança, Allen viu nesse evento uma oportunidade de mudar o cenário desorganizado e inseguro do serviço de táxis na cidade.
A era dourada dos americanos traduzida na visão romantizada dos filmes mostra a cidade com uma economia crescente e o sonho americano de se ter uma vida melhor. No entanto, o serviço de transporte não era tão romântico como nos filmes: era desregulado, inseguro e dominado por veículos de tração animal que produzia sujeira por toda a cidade, e os poucos veículos elétricos que circulavam eram pesados, instáveis e lentos. Muitos taxistas eram conhecidos como “falcões noturnos”, pela má reputação que possuíam por aplicarem golpes, cobrarem tarifas exorbitantes e serem acusados de comportamentos violentos na direção dos veículos e com os passageiros que transportavam.
O constrangimento que Harry Allen sofreu despertou o desejo de criar um serviço de táxi que se diferenciasse daquele que em geral era prestado. Ele não queria eliminar a profissão de taxista, mas combater os abusos e a falta de profissionalismo comuns no setor. A ideia proposta por Allen ganhou força e, em poucos meses, Allen conseguiu o apoio necessário para levá-la adiante.
Com a ajuda do seu pai e de poderosos investidores, Harry Allen conseguiu arrecadar cerca de 8 milhões de dólares para dar início ao seu empreendimento. Sua visão era criar um serviço de táxi limpo, moderno e com motoristas treinados para desfazer a má reputação que o serviço havia acumulado por décadas. Para alcançar seu propósito, Allen contou com o apoio de figuras como William Randolph Hearst, um poderoso empresário do setor de mídia, além do comissário de polícia local, que facilitou os trâmites para implantar o empreendimento.
Com dinheiro e apoio, Allen importou veículos franceses do modelo Derracq, movidos a gasolina e equipados com um dispositivo que se tornaria o símbolo da profissão: o taxímetro. A novidade inventada por um alemão e utilizado em carros franceses trouxe transparência ao serviço, dificultando as manobras de motoristas mal-intencionados. Em primeiro de outubro de 1907, Harry Allen apresentou sua empresa, a “Allen’s New York Taxicab Company”, em um desfile apoteótico pelas ruas de Nova York. Os sessenta e cinco táxis da frota padronizada eram limpos e pintados nas cores vermelho e verde (posteriormente alterados para amarelo). Motoristas usando uniformes inspirados nos cadetes militares de West Point completavam o espetáculo.
Em um ano, a frota cresceu para setecentos veículos, acelerando o declínio das charretes, que sucumbiram à concorrência dos táxis. Essa mudança era um desejo crescente da população, preocupada com o sofrimento dos cavalos e com os riscos sanitários e de incêndios a que estavam suscetíveis os estábulos urbanos. Os veículos de tração animal foram desaparecendo juntamente com um extenso mercado de profissionais que realizavam sua manutenção: adestradores, ferreiros, catadores de dejetos, cuidadores e lavadores.
Embora Allen nunca tenha precisado dirigir um táxi para sobreviver, sua história não seria possível se não fossem os motoristas que trabalhavam em sua empresa. Como empreendedor, seu sucesso foi marcante, mas ele enfrentou sérios problemas trabalhistas com motoristas que reivindicavam melhores condições de trabalho, porque tinham que bancar os custos adicionais do serviço cobrados por Allen como combustível, manutenção, uniforme e até mesmo o polimento da lataria, o que solapava fortemente o lucro que tinham.
A disputa entre Allen e seus motoristas acarretou uma greve violenta ocorrida após uma negociação coletiva fracassada. Allen contratou capangas e policiais para furar a greve e agredir seus motoristas que, irados, responderam com violência, prometendo invadir a garagem de Allen e incendiar seus veículos. A recusa de Allen em aceitar a representação sindical e a violência aplicada por seus mercenários durou alguns dias desgastando ambas as partes. Frustrados e sem dinheiro, os motoristas retornaram ao trabalho, mas o conflito gerou prejuízos financeiros e desgastes jurídicos que levaram Allen a fechar a empresa, marcando um fim conturbado para sua revolução no setor de táxis.
A trajetória de Allen foi um marco na história do serviço de táxi em Nova York, mas não estabeleceu um modelo universal. Embora o modelo londrino seja frequentemente comparado ao nova iorquino por sua origem comum nas regulamentações inglesa e holandesa e ambas as cidades serem centros financeiros globais, a comparação não vai muito adiante. Londres adotou uma abordagem distinta, baseada em regulamentação rigorosa e um licenciamento criterioso, e desenvolvendo um sistema cooperativo no qual os motoristas compartilhavam custos administrativos e contavam com maior segurança financeira, o que lhes oferecia estabilidade e um significativo nível de independência dentro da profissão. Os nova iorquinos, por sua vez, priorizavam a gestão centralizada e a maximização dos lucros.
Em Londres, os táxis seguem um padrão visual homogêneo, enquanto em NY predominam veículos de diferentes modelos. O perfil dos motoristas também diverge: em NY, há uma diversidade étnica maior, enquanto no londrino, a profissão exige um rigoroso processo de qualificação. Ao contrário do modelo de NY, no qual a experiência prática era suficiente para atuar como taxista, os londrinos precisam passar por uma série de testes exigentes — incluindo um exame detalhado sobre a geografia da cidade — antes de obterem a licença, trajetória que repercute na elegância do motorista londrino no trato com os passageiros que reforça a imagem de um gentleman que retira a ideia de que o táxi moderno tenha nascido de um rancor.
Tanto em NY quanto em Londres, o serviço de táxi se adaptou às diferenças sociais e diretrizes regulatórias, enfrentando desafios como tiranias burocráticas e abuso de poder por parte das empresas. O caso de Allen demonstra que avanços podem ser impulsionados por iniciativas privadas, mas o equilíbrio entre inovação e condições de trabalho justas como nos táxis londrinos é essencial para a sustentabilidade do setor.
A história dos táxis reflete os dilemas da mobilidade urbana no mundo moderno. Hoje a profissão continua em constante evolução. Para garantir um serviço eficiente e justo, é fundamental valorizar a regulação equilibrada e fortalecer a cooperação entre trabalhadores e gestores. Mais do que uma história de modernização, o legado de Harry Allen nos ensina que a busca por eficiência não pode ignorar o bem-estar daqueles que fazem o sistema funcionar: os motoristas.
Para saber mais:
HODGES, Graham Russell Gao. Taxi!: A Social History of the New York City Cabdriver. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2007.
Mauro Villar é motorista profissional de táxi desde 2004, graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, possui especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública, mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela mesma instituição e autor do livro “A vida no táxi: uma análise sociojurídica dos conflitos e das regulações no mercado da mobilidade urbana em São Gonçalo”.
Canal no YOUTUBE: @motoristaprofissional
Instagram: _motorista_profissional
Respostas de 15
comprometimento para que as coisas acontecam é fundamental… entender gente para que seu dia seja sempre o melhor a cada momento, pessoas sao todas diferentes umas das outras , como sugestão eu indico paciencia escutar e nao discutir sempre elogiar …otima materia do taxi…parabens.
muito interessante este conteúdo que foi exposto nesta matéria, pois diz sobre a realidade prática de nossas vidas profissionais.
Muito Obrigado, Sérgio Coelho.
Show de matéria! E a categoria agradece!
Muito Obrigado, Carlos Silva.
já acompanha este escritor há alguns anos e sempre vem representando bem a nossa categoria e gosto dos posicionamento…
Muito obrigado, Paulo Roberto.
Na minha opinião o empresário em questão, viu uma maneira de se dar bem com um serviço que já existia e como não fez um planejamento estratégico e inteligente, sofreu um revés.
Na história dos trabalhadores sempre existiu luta por melhores condições de trabalho e essa luta sempre foi combatida por trabalhadores, para trabalhadores.
Realmente, José. Deve haver um ajuste entre o lucro e o bem estar do motorista.
É muito interessante entender a história da profissão e todas as suas nuances durante o decorrer do tempo. Fica uma lição de que desde sempre as lutas por melhorias independente das circunstâncias, quase sempre são um estopim para a revolução. O capital humano sempre foi e sempre será o mais importante!!
Obrigado, Graciela. Mesmo depois de muitos anos, a super exploração do motorista continua.
bom dia excelente matéria parabéns
bom.dia ótima matéria e muito legal em ver a revolução desde o início do táxi até os dias de hoje parabéns pela matéria
Muito obrigado, Diego Jaegger.
Muito Obrigado, Jose Paulo.