Em tempos de coronavírus, dói ver Roma deserta, como se a vida tivesse acabado. Aproveito para atenuar a tristeza recordando o seu escultor, o mestre do barroco, o napolitano Gian Lorenzo Bernini e suas obras espalhadas pela urbe. No Vaticano, além de projetar a majestosa praça semicircular em colunata, fez obras como o Baldaquino e a cátedra de São Pedro.
Em vias públicas, pode-se admirar a Fonte das Abelhas e a de Tritão, na Piazza Berberibi. No centro da Praça Navona, a Fontana dei Quattro Fiumi, obra realizada com quatro outros escultores, autores das representações dos rios: Antonio Raggi (Danúbio); Jacopantonio Fancelli (Nilo); Claude Poussin, (Ganges); e Francesco Baratta (Rio da Prata).
Duas outras obras inigualáveis de Bernini podem ser vistas em locais públicos reservados. O Êxtase de Santa Teresa D’Ávila, na Basílica de Santa Maria della Vittoria, e o Êxtase da Beata Ludovica Albertoni, na de San Francesco a Ripa. Nos dois casos, não se pode ter pressa para apreciar, primeiro, o conjunto e, depois, os detalhes.
Mas é na Galeria Borghese que está a maior mostra da sua obra. Há o David, em atitude violenta, no momento do lançamento da pedra, diferente do de Michelangelo, que está de pé e concentrado, com o olhar fixo no adversário. O de Bernini denota o desprezo e a vontade de derrotar Golias com o arco das sobrancelhas, a fixidez do olhar e o gesto de concentração intensa no morder do lábio inferior.
O Rapto de Proserpina é um misto de ternura e brutalidade. O deus dos infernos e da riqueza, Plutão, forte e enorme, segura com violência o corpo delicado da filha de Júpiter e Ceres, que, debatendo-se entre os braços do raptor, grita por socorro. Completa a composição Cérbero, o cão de três cabeças, de bocas hiantes. O tratamento dispensado ao mármore permite uma textura que parece a da pele humana – a sensação que se tem ao contemplar o conjunto é a de que os dedos de Plutão entram efetivamente nas carnes de Proserpina.
Em Apolo e Dafne, inspirada nas Metamorfoses de Ovídio, Bernini contrapõe o movimento do deus, lançado para diante, com o da ninfa que se queda na imobilidade do tronco enquanto sua cabeleireira vai se transformando em folhas de louro. Os detalhes impressionam pela delicadeza, especialmente os pés e mãos de Dafne se transmudando em folhas e raízes. Enéas, Anquises e Ascanio, narra a saga de Enéas fugindo de Tróia carregando nos ombros seu pai, o ancião Anquises, e pela mão, o filho Ascanio. Destaque para o corpo do ancião mostrando nas costas, as vértebras querendo furar a pele enrugada.
Se a imagem de Roma esvaziada fustiga a saudade, lembrar-se de uma fração do muito que oferece no seu acervo de arte, ameniza, sim, o sentimento.
Alcir Santos
Aposentado