As atividades e serviços existentes na sociedade, pertencem a dois regimes jurídicos a saber: o Regime Público e o Regime Privado.
A grande maioria destas atividades e serviços se enquadram no regime PRIVADO de prestação de serviços, marcado pela Livre Iniciativa e pelo Livre Empreendedorismo, caracterizado também, pela mínima interferência do ESTADO, porém nos limites da LEI. Portanto no Regime Privado, a não intervenção do Estado é a regra, sendo a maximização do LUCRO, o objetivo, ou meta colimada pelo empreendedor.
No Regime Público, a equação se inverte, onde o objetivo é servir ao superior interesse coletivo difuso, ou ao superior interesse público.
Neste regime, portanto, exige-se a máxima intervenção estatal estritamente dentro do limite imposto pela LEI, buscando-se a consecução do bem-estar social, numa sociedade organizada.
No setor balizado pelo binômio Trânsito e Transporte, este interesse geral está disposto nos Artigos 25 e 30, da Constituição Federal, como interesse comum e interesse local, respectivamente, para as FUNÇÕES PÚBLICAS, correlacionadas nos vários Códices Legais, ordenadores do Estamento Jurídico Brasileiro e em Tratados Internacionais, dos quais o Brasil é signatário. Destaca-se neste particular a codificação estabelecida pelo Código de Trânsito Brasileiro-CTB.
Com base no acima exposto, este Artigo justifica o questionamento, ou afirmação nele sintetizado, uma vez que, estamos em meio a um processo de erros e equívocos interpretativo-argumentativos sofísticos, que analisados sob o ponto de vista crítico a partir do conhecimento técnico, este processo acabou por “contaminar” o estamento jurídico-legal pacificado há décadas no país.
Esta “contaminação” se mostra com toda a sua intensidade no conflito Táxi X Uber, marcado pela invasão da legalidade pátria, praticada pela plataforma Uber, arrombando a “porta dos fundos” do nosso Ordenamento Jurídico, à guisa de alegações tecnicamente falsas, de ser um avanço tecnológico na prestação de serviços de transportes, através da “inovadora” interconexão de passageiros a prestadores de serviço PRIVADO, usando inclusive veículos particulares de placa cinza!
Afirmamos serem falsas estas alegações a uma, porque antes da invasão da Uber, o modal público Táxi, que presta em caráter privativo o serviço USURPADO pela plataforma Uber, já havia absorvido esta “novidade” na interconexão citada, usando aplicativos nacionais, a duas porque, sendo estas plataformas uma mera ferramenta MEIO, assim tratadas pelo Marco Civil da Informática, jamais poderiam se arvorar em empresa prestadora de serviços de transportes, ao arrepio da LEI.
A novidade, acima colocada entre aspas, pois a interconexão entre os passageiros usuários e o modal Táxi, sempre existiu, tendo sido, este modal público o “pivô” e receptáculo de inúmeros outros meios inovadores de interconexão, no atendimento à demanda ESSENCIAL não cativa de passageiros ao longo de sua centenária história e sempre em caráter PRIVATIVO, coerentemente com o seu papel matricial de equilibrador da Matriz de Transportes Urbana.
A demanda não cativa de passageiros, é ESSENCIAL, pois é perene, contínua, FINITA e dependente de um SERVIÇO onde o rígido controle PÚBLICO de seu atendimento é IMPERATIVO, em face da necessidade de se manter a sustentabilidade das cidades, visto que o fenômeno da urbanização crescente da população, mostrou-se inexorável.
A princípio, esta demanda essencial era atendida pelo viés privado, porém a explosão do número de veículos prestadores deste serviço, na Londres de 1636, produziu o caos no trânsito urbano londrino, exigindo a intervenção do ESTADO neste domínio então privado, configurando-o como serviço de natureza PÚBLICA, pela concomitante constatação de que esta modalidade de prestação de serviço, não se enquadrava no rol das premissas que norteiam atividades privadas no ambiente clássico de MERCADO, uma vez que maximizar LUCRO, significa também exponencializar o número de prestadores e de seus veículos. Ora, estas premissas são obviamente incompatíveis, não só com a finitude desta demanda essencial, mas e principalmente com a finitude e funcionalidade do espaço viário urbano e até mesmo extra-urbano. Questões como: LIMITAÇÃO DA FROTA VEICULAR, REMUNERABILIDADE DO PRESTADOR, MODICIDADE TARIFÁRIA visando estabelecer o preço justo, dentre outras, impuseram a necessidade do estabelecimento de uma OUTORGA PÚBLICA, para a prestação deste serviço sob delegação, através do antigo Black Horse Cab, a partir de então, nitidamente submetido à gestão pública pelas administrações locais, em face do fato de que o fenômeno da urbanização processa-se, evidentemente de forma diferente nos diversos núcleos urbanos, hoje municípios no Brasil.
É portanto, cristalino o fato de que o embrião do atual serviço de Táxis, tem como origem a DEMANDA NÃO CATIVA de PASSAGEIROS. É também inegável o fato de que as PREMISSAS que levaram engenheiros e urbanistas a criarem o “Black Horse Cab” em 1636, permanecem incólumes até os dias atuais, e, com muito maior dramaticidade, pois o índice de urbanização dos centros urbanos no Brasil, beira a 96% da população!
Neste ponto, resta provado o falso argumento de que a AÇÃO da Uber e assemelhados interligando passageiros a prestadores privados, ainda por cima utilizando veículos de placa cinza, é um RETROCESSO inadmissível e insofismável e, NÃO DARÁ CERTO, trazendo sequelas gravíssimas e de todos os naipes, para toda a sociedade. Fato que, aliás, já se manifesta através do noticiário diário.
Vale ressaltar, ainda, que as premissas que originaram o atual Serviço Público de Táxi, deram origem e equilíbrio ao arranjo da Matriz de Transportes Urbana, tornando tal serviço público fundamental e insubstituível.
Isto posto, podemos concluir que as contradições presentes nas decisões, data máxima vênia, proferidas pelo Ministro Barroso, por ocasião do julgamento da ADPF – Ação de Descumprimento de Preceitos Fundamentais, Nº 449 e, agora no Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade- ADI 5337, colidem-se, ao constatar-se que pela referida ADPF ficou dogmatizada a primazia do Livre Empreendedorismo e da Livre Iniciativa, superpondo-se ao superior Interesse Público, sem a observância do Princípio da Anterioridade Legal, conforme disposto no Parágrafo Único do Art. 170,CF, frise-se, em adição, que este fato é tecnicamente um RETROCESSO desequilibrador. No entanto, paradoxalmente temos, nesta mesma ADI 5337, a maioria dos Ministros do STF, decidindo pela necessidade do incisivo controle do ESTADO, sobre uma atividade vista de forma ambígua como sendo do Regime Privado e de Utilidade Pública, ou seja, NÃO PÚBLICA!!! O Supremo se coloca neste momento, em xeque, a depender dos termos de um ACÓRDÃO. Mas, este ACÓRDÃO, focado apenas no viés jurídico-legal, na abordagem de um tema multidisciplinar, certamente não alcançará as condições de contorno, impostas pela CIÊNCIA aplicada às Engenharias, de Trânsito, em especial, e, de Transportes que governam o funcionamento da Matriz de Transportes Urbana!
Assim, a resposta à pergunta que dá título a este Artigo: “O SUPREMO ESTÁ NÚ?” irá depender não apenas da inteligência deste ACÓRDÃO, mas e principalmente, das graves consequências da AÇÃO dessas plataformas, já manifestadas na prática de seus acionamentos e não levadas em consideração, no debate que permeia este conflito Táxi X Uber, neste longo período de 6 anos da invasão desta aberração privatizante no país.
Nelson A. Prata
Engenheiro Eletriscista
Especialista em Trânsito, Transportes e Segurança de Trânsito
Autor do Livro Táxi X Uber: O conflito visto sob a perspectiva do binômio “Trânsito/Transporte”












Respostas de 2
Excelente artigo, escancara toda a incompetência jurídica de quem deveria ter notório saber jurídico para chegar ao topo da carreira jurídica, sim o supremo está nu, manco e sem bengala, além de cego e sem cão guia.
Eles são lamentáveis.
Grande Nelson Prata engenheiro de trânsito de Belo Horizonte-MG e um dos co-aoutores do livro Taxi/Uber. Parabéns Nelson Prata!